3/13/2009

FOLCLORE ÁRABE FLORIANENSE


HONESTIDADE ACIMA DE TUDO

Por: Salomão Cury – Rad Oka

Viveram em Floriano dois irmãos originários da cidade de Khabab, Síria. Chamavam-se Moisés e José Knaer. Ambos vieram muito jovens, tentar a vida junto de patrícios já estabelecidos no Brasil. Moisés veio da Síria, casado com uma moça da família Lobo, chamada Carminha, mas José veio solteiro.

Em terras brasileiras, Moisés colocou um movimentado e luxuoso cassino num dos salões do Edifício Calisto Lobo Matos na esquina da Avenida Álvaro Mendes ( hoje, Getúlio Vargas ) com a rua Alfredo Estrela. Este é o último casarão de Floriano com pórtico escrito em árabe.

José era uma figura mais tímida. Começou a mascatear até se casar com uma jovem chamada Maroquinha Frejat, oriunda de uma família de personalidades inteligentes e de boa casta. Algum tempo depois da lua de mel, estabeleceu-se com uma pequena loja na movimentada rua São Pedro, fazendo-a prosperar e crescer razoavelmente.

No tempo em que mascateou, usou, para transporte das mercadorias, do auxílio de uma larga carroça de madeira, puxada por um jumento branco que tinha o sugestivo nome de “ Massári “ ( do árabe: dinheiro ). Iam com esse burrinho para várias regiões do meio norte, incluindo no itinerário cidades como Jerumenha, Guadalupe, Nova Iorque, São João dos Patos, Amarante, São Francisco e Flores.

Assim que se casou, José ainda chegou a levar a esposa em algumas dessas andanças. Apesar do sofrimento da viagem, a jovem Maroquinha adorava a companhia do marido carcamano como ela. Na última dessas viagens, acompanhado da esposa, a carroça ia abarrotada das mais diversas mercadorias e o pobre asinino já estava estafado. No limite de suas forças, subindo uma ladeira razoavelmente íngreme, o pobre massári meteu uma das patas num buraco fundo o suficiente para quebrá-la e o casal não teve outra alternativa, senão sacrificar o animal.

O desespero chegou na mente do laborioso Knaer. Como resolver aquela situação? No pé de uma ladeira, com a carroça cheia, sem jumento, longe de casa e acompanhado da esposa. Pensou em pedir ajuda ao irmão Moisés, mas naqueles tempos, não se dispunha de telefonia. Se pelo menos o seu Milad Kalume estivesse ali para consertar o pé do animal, não seria necessário sacrificá-lo. Ainda cogitou a hipótese de vendê-lo, mas não acharia comprador pra tanto charque.

A solução para um problema tão sério seria pedir emprestado um jumento para continuar a viagem. Acontece, porém, que o matuto típico daquelas paragens já estava ficando por demais sabido e ninguém se prontificou a “ emprestar “ um animal. A grande maioria só queria vender ou trocar pela mercadoria do carcamano. Ora, a mercadoria valia muito mais que 30 ou 40 burrinhos, e o carcamano, apesar de não ter dinheiro ainda, por estar no começo da viagem, achou por bem comprar um animal novo assim que fizesse suas primeiras vendas naquele lugarejo.

A notícia de que o árabe estava precisando de um jumento correu rápido na cidade e seus habitantes entraram em combinação de não comprarem nem mesmo uma agulha na mão do carcamano, para forçá-lo a um mau negócio. Das duas uma: ou ele trocaria a mercadoria inteira com alguém, ou faria um queima, vendendo tudo a preço de custo.

Não tendo alternativa, José Knaer já ia fazer uma liquidação, mas foi abordado pelo padre da cidade antes. O vigário lhe disse:
- É você o carcamano que está sem jumento?

- Sim, senhor padre, sou eu mesmo. Sua paróquia está se aproveitando da minha situação, me obrigando a vender minha mercadoria em condições que terei um prejuízo enorme! Sou recém casado e esta é minha esposa. Como poderei dar-lhe conforto se estou a ser explorado na sua cidade?

E o padre respondeu:

- É realmente muito errado o que os fies da minha igreja estão fazendo com o senhor. Jesus nos deixou a parábola do bom samaritano, onde aprendemos que se deve ajudar até os inimigos, se estes necessitarem. Pois bem, carcamano: hoje você é meu próximo. Tenho um jumento que uso para alcançar as famílias que moram mais distantes da igreja. É um animal velhinho, mas que estimo muito e, certamente, vai poder lhe levar até um lugar onde você possa resolver o seu problema ou até mesmo de volta para casa. Mas fique sabendo que quero sua palavra de honra que em breve o terei de volta são e salvo.

- Logicamente o senhor a tem, padre. Palavra de honra! Juro pela cruz! – e puxou um crucifixo de ouro do pescoço e o beijou.
Pegou o burrinho pelo cabresto e o atrelou à carroça. Pôs a mulher encima e começou a tocar o animal, que ia, num esforço hercúleo, puxando a pesada carga.

No fim do caminho de volta para casa, porém, o casal foi atacado por um enxame das perigosas abelhas africanas, que começou a picar-lhes em todas as partes descobertas. José apressou-se em auxiliar o jumento em detrimento da mulher, que estava em verdadeiro desespero encima da carroça. A cara da carcamana estava literalmente preta de abelhas e ela gritava feito louca todo tipo de algaravia com a língua enrolada, enquanto José soltava o burrico do padre e dava-lhe umas chibatadas pra que pudesse correr livre.

Só então é que socorreu a mulher, que a essa altura, já estava desmaiada. O rosto estava irreconhecível, mas José pegou-a no colo, desceu carroça apressadamente gritando por alguém que pudesse acudir-lhes. Passava pela estrada um senhor com uma charrete que lhes rendeu os primeiros socorros e os conduziu para o Hospital Miguel Couto, onde foram devidamente recebidos. O tratamento da mulher foi difícil. Disseram a Kanaer que se tratava de uma doença chamada choque anafilático e que era grave sua condição. José gastou mundos e fundos para salvá-la, mas conseguiu.

Quando o susto passou e a mulher teve alta, o irmão de José, que se chamava Moisés foi visitá-los. Na oportunidade, disse ao irmão:
- Mas, José, como é que tu socorres primeiro o jumento e deixa tua mulher ser comida pelas abelhas? Tu ta doido? Repara, agora, a despesa que fizeste…

José nem titubeou. Arrematou o assunto com a seguinte máxima:

- Acontece, Moisés, que somos gente muito honesta! Fique sabendo que o jumento era emprestado e a mulher é minha!

Fonte: Jornal a Voz de Floriano

Um comentário:

Gilberto Lima disse...

Esta historia sobre o floclore árabe, me fez lembrar um "causo" atribuído ao velho Salamão Mazuad, grande comerciante do passado estabelecido na Princesa do Sul.
Na década de 60, Salomão estava ampliando suas instalações comerciais, daí que tinham muitos operários na construção da obra.
Um deles era Expedito, pedreiro morador do bairro manguinha, que carregava os seus instrumentos de trabalho em um cofo.
Certo dia, Expedito chegou para começar a sua jornada na construção de Sr. Salomão, e este desconfiado de poder ser furtado por Expedito, de forma diplomática, assim se pronunciou:
"amiga, tu é honesta, más cofa tua é ladrona, deixa cofa fora".
Como se observa, o velho carcamano era uma figura ímpar.
Fraterno abraço.
Gilberto Lima, São Luís-MA.

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